Capítulo 2 - Jogo de Cintura

Melena e Marques teriam um bom descanso, e logo que ela lhe cumprimentasse, o pai lhe faria o mesmo, apesar de parecer um bom dia insosso, sem sal, um tanto desanimado. As três negras de antes estariam à espera dos dois do lado de fora do quarto, acompanhadas do mensageiro que os convidou a Wakanda. Com um sorriso ameno ele entregaria dois embrulhos em papel pardo, um para Melena, e outro para seu pai, tratando-se de vestes especiais, tradicionais africanas. - Bom dia, à pedido de J'Lamba trouxe-lhes roupas que deverão usar na cerimônia, caso queiram assistir ao Ritual de Combate. O Líder Makunguru está fazendo seus preparativos, poderão comer e então partiremos, estarei esperando por vocês na sala de reuniões. - Diria o Ajaba, de forma tranquila e sorrindo para a dupla, enquanto que das negras presentes, todas também sorriam, exceto Adebanke, que fitava Melena de forma um tanto incomoda, apesar da feição neutra.

- Espero não ver sangue sendo derramado... Só isso... - Disse Marques e nisso os dois iriam comer, e como no jantar, havia uma fartura quase sem fim de comida, porém dessa vez tratavam-se de apenas frutas e grãos variados, bem como leite e mel. Assim que terminassem de comer, o mensageiro lhes buscaria, rumo para onde estaria a nave que os levaria para o local dos duelos, onde durante o trajeto, uma música feita pelos próprios sons das armas e armaduras entoavam e um coro cantava uma música de abertura da cerimonia de forma alegre. Várias outras naves se juntariam a eles, de forma que mais vozes e armas passavam a fazer parte do cântico, aumentando o ritmo e completando com as demais regiões de Wakanda e outras raças. Como se cada raça cantasse sua musica e elas se completassem harmoniosamente. As naves passavam por cima de um rio frondoso que desaguava numa grandiosa cachoeira, e lá seria o local da cerimônia. Cada nave parou em cima de um ponto específico, fazendo a água tomar outro rumo e abrindo caminho por entre as pedras, dessa forma, as pessoas que foram assistir e participar, poderiam acessar o local sem problemas. Uma bacia com água até as canelas em uma pedra grande e lisa foi exposta, e cadeias de pedras ao redor como um corredor de espectadores também surgiu. As 7 famílias principais estavam na parte de baixo, próximas à bacia onde aconteceriam as lutas e cada uma delas com seus representantes e dispostos a lutar pelo trono. Sendo elas: Os Bubasti com K'Uon, Os Simba com T'Challa, Os Bagheera com um negro de vestes azuis, Os Ajaba com Ozuzo, Os Makunguru com J'Lamba, Os M'Bembe com Draco, Os Nuwisha com uma negra de porte atlético. Quando a abertura acabou, todos se silenciaram em respeito ao falecido e à sua família, em seguida, o um monge de vestes roxas, o mesmo que guiou a cerimônia fúnebre anteriormente, foi para o centro da bacia, iniciando a cerimonia. - Todos sentimos a recente perda, mas como tradição é tradição, estamos aqui hoje para a cerimonia de coroação. Todos os herdeiros poderão participar e disputar o trono contra o filho do falecido Rei. - Deu uma pausa. - Caso ninguém queira, T'Challa ficará no poder sendo nomeado o novo Rei. - Disse direto, esperando pelo primeiro desafiante. - Eu quero dizer algo a todos aqui... Agradeço a todas as Tribos, todos os líderes e suas famílias por virem. Sei que essa cerimônia não é apenas a escolha de um Rei, mas a preservação do legado do Ahadi. - T'Challa colocaria a mão no ombro do monge, aproximando-se dele, e pediria à palavra, falando a todos que estavam ali, falava com o peito aberto e a cabeça erguida projetando a voz alto para todos ouvirem. - Meu pai foi o Rei por pouco menos de meio século, e ele seguia a promessa de uma existência pacífica e produtiva entre nós, os Filhos de Gaia. Seja como Rei escolhido pelo Ahadi, ou decidido em combate, seja como membro que contribua para a nação de Wakanda, eu seguirei este mesmo código, essa mesma honra, e essa mesma tradição. Aceitarei os desafios de peito aberto, cabeça erguida, e que Gaia olhe por todos! - Tendo dito isso, transformaria-se em seu Sokto, e com sua boca aberta e as garras abertas ao céu rugiria como um trovão, proclamando sua força de vontade.

Assim que T'Challa começou a falar, todos se silenciaram completamente, deixando que ele desse seu recado com tranquilidade, e assim que terminou, todos os saudaram de acordo com sua tribo e da mesma forma que ele mostrou sua verdadeira forma e urrou, outros o seguiram, somente os líderes de cada tribo. Após esse momento, alguns voltaram a sua forma humana, saudando Onuris e o aceitando como líder. Porém, dentre os que estavam ali, três tribos continuaram com suas formas de Crinos, sendo elas: Os Ajaba, Os Makunguru e Os M'Bembe. O primeiro a pular dentro da bacia, onde jazia o Príncipe, foi a Ozuzo. Ele o olhou de forma respeitosa, porém desafiadora. - Esteve muito tempo fora. Acho justo uma luta. - Disse tomando a posição no meio da arena de água.

O representante das Hienas foi o primeiro a se fazer presente, pulando para a arena, e nisso Melena orou aos Orixá, jurando ter visto um homem de vestes vermelhas, empunhando um machado, pairando atrás de T'Challa, este bateu o punho direito fechado no peito, em cima do coração, em sinal de respeito ao desafiante. - A tradição é justa e a sua opinião tem fundamento, irmão Ajaba. - Disse o Príncipe já assumindo posição de luta com as mãos abertas e de garras afiadas, com o corpo em ângulo para o embate. - Que as Mães vejam nossa força. - Seu olhar era fixo na Hiena, tal qual se estivessem num verdadeiro campo de batalha. Ozuzo atacou rapidamente após o preparo de T'Challa, porém o herdeiro Simba percebeu facilmente quando o outro atacaria, e rapidamente iniciou seus movimentos, fazendo com que o outro mudasse sua estratégia e tentasse se defender, sem muito sucesso, pego desprevenido num primeiro jab de esquerda,  recebendo em seguida um gancho de direita na mandíbula,  fazendo-o cambalear pra trás, porém esquivando-se de chute que o leão desferia ferozmente. O Ajaba tentou um agarrão no adversário, porém acabou abraçando o ar. Furiosa, a Hiena deu um pulo pra cima do outro, conseguindo pegá-lo no ante-braço, usando seus dentes, rasgando a carne da região, mas o Ajaba não conseguiu abocanhar forte ali, parecendo sentir dor na mandíbula, soltando-o. O braço de T'Challa se regeneraria ali, sequer ficando com a marca da mordida e fazendo a Hiena se ajoelhar derrotada. - Eu e minha tribo estamos com você. - Disse por fim se levantando pra sair dali. - Eu e as Mães somos testemunhas da sua ferocidade e honra! - Afirmou dando a mão para ajudar o Ajaba a se levantar, para que então outro desafiante, um Corax se apresentasse. Em seguida J'Lamba foi até ali, de forma paciente, pousando na frente do Simba. - Devemos saber se podemos confiar nossas informações à você. - Disse se preparando para a batalha, diferente do anterior, ele não parecia ameaçador. - Que a confiança dos guerreiros seja posta a prova na batalha. - T'Challa ateu com o punho direito ao coração, bradando ao novo desafiante, já assumindo a posição de luta. - Pelos Orixás... - Murmurou Marques apreensivo.

Essa luta demorou um pouco pra se dar início, ambos se analisavam, porém T'Challa decidiu atacar primeiro, avançando contra J'Lamba de forma precisa. Quando sua perna ia acertar o corpo do outro, o mesmo planou se esquivando por um triz, contudo, abrindo sua defesa e recebendo o próximo golpe, sendo este uma sequencia do chute anterior, acertando-lhe as costelas direitas o forçando a voltar pro chão. O Simba voltou a se aproximar do Coráx, tentando um gancho, contudo o corpo do outro foi pra trás, como se sua espinha fosse uma mola, se esquivando do golpe por velocidade e contra-atacando com o pé. Num salto pra trás o leão conseguiu se esquivar sem muitas dificuldades, porém o corvo abriu as asas e um montante de penas afiadas foram lançadas na direção dele, o acertando em várias partes do corpo, manchando a água parada de vermelho. Havia sangue escorrendo do bico do pássaro, indicando ferimentos internos, além disso ele respirava forte, ofegante. O felino grunhiu com a dor que sentia, mas seus olhos mantinham-se fixos no Corax. Dando um meio sorriso, mostrando brevemente seus dentes avantajados ao perceber o ferimento do outro. - Luta com honra e determinação irmão... E eu vou fazer jus ao teu esforço, mas eu também tenho a minha convicção para continuar lutando! - Falou jogando a manta de pele que cobria a parte superior do tronco para o lado.  - Você também é um guerreiro formidável. - Disse o corvo em respeito ao comentário do leão, que logo se aproximou pra mais um confronto. Com um jab de esquerda, um direto de direita, um cruzado de esquerda, e um gancho de direita, mas o pássaro se esquivou como se sua velocidade fosse superior à do leão, ou sua visão privilegiada o ajudasse, quase como se seu corpo se multiplicasse como em um filme de ação. Apesar do cansaço aparente no final do turno anterior, o corvo estava zen, e mostrava isso em sua postura e olhar. Todos observavam o confronto estarrecidos com a batalha, ansiosos pela decisão. - Vai irmão!! -Gritou a Princesa, irmã de T'Challa, fazendo sua mãe, a Rainha, balançar negativamente a cabeça enquanto também assistia atônita. Os guardas de ambas as tribos fecharam um pouco mais o círculo onde a luta se passava, pra aumentar a dificuldade da batalha. O corvo tentou um ataque com as garras de suas pernas, mas T'Challa se esquivou por pouco, sentindo a juba balançar e alguns fios caírem na água.- Tem vontade de vencer... - Murmurou o Simba se levantando com os olhos fixos no alvo, sua íris se tornava bem mais felina, como um fino corte negro na retina dourada. - Eu não vou perder, e estou disposto a ser Rei pelo julgamento do combate... Esteja preparado também irmão corvo... Já que quer lutar de garras... Eu usarei as minhas!! - T'Challa abria o peito e flexionava os músculos, rasgando sua camisa e rugindo como um trovão ao final da frase. T'Challa mudou, sua postura parecia bem mais magnífica e imponente, e com isso, após sua breve palavra, avançou em um ataque que em qualquer outra ocasião seria mortal. O atual rival não conseguiu se mover para esquivar, como se estivesse sob algum efeito de paralisia ou encanto, e assim que sentiu a mão do leão em seu pescoço, fechou os olhos instintivamente. O leão não teria dificuldades em mata-lo ali mesmo, mas prosseguiu sem ferir o combatente, respeitando sua vida. O corvo sorriu enquanto abria os olhos suando frio. - Tem meu respeito e terá a ajuda de minha tribo pro que precisar. - Disse J'Lamba mais calmo e confiante com o resultado da batalha e todos os corvos da tribo bateram suas armas finalizando aquela batalha. - Os segredos de Wakanda estarão seguros comigo, e eu farei do meu propósito dividi-los somente com os irmãos do Ahadi. - Disse Disse T'Challa soltando o outro, e colocando as mãos nos ombros do corvo, olhando-o nos olhos e sorrindo, antes que ele se afastasse. O Makunguru saiu da bacia voltando à forma hominídea, vindo diretamente na direção de Melena, com um sorriso que misturava o orgulho da tentativa, com a vergonha da falha. - Obrigado pelas belas palavras... - Diria o negro segurando as costelas esquerdas, bem onde recebera o chute do leão.

- Teremos muito o que ver ainda... - Respondeu J'Lamba tomando a outra lateral da moça, enquanto que o Líder M'Bembe descia à bacia para lutar. Ele parecia bem forte e resistente por causa de suas escamas cinzas, e seus dentes grandes à mostra de forma não amigável. Ele não falaria nada, só se prepararia para a batalha, como se não houvesse outro motivo a não ser a luta em si. Os soldados Mokolés também desceram e ficaram no lugar que os corvos estavam anteriormente. - Que Gaia e nossos Ancestrais vejam nossa luta. - Diria T'Challa batendo o punho direito ao coração e já assumindo a posição de luta.

O Simba preferiu mudar sua estratégia nessa ultima batalha, assumindo postura de defesa, ficando mais atento ao oponente que certamente era grande, até maior que ele. O Mokolé iniciou o ataque, avançando com as garras do braço direito num arranhão, que foi defendido facilmente pelo leão. Contudo isso enfureceu mais o lagarto, fazendo-o segurar no braço do felino, o puxando e lhe dando uma rasteira, fazendo com que caísse forte no chão da bacia, fazendo a mesma tremer. Não satisfeito com só aquilo, com sua grande e forte cauda, moveu-a como um chicote, acertando o Príncipe na barriga e o batendo de novo contra o chão da bacia. Na cauda haviam espinhos, e estes feriram a carne, entrando no músculo do abdômen. A reação seria imediata, a forma Sokto se desfazia na hominídea, e as veias do felino começaram a ficar saltadas e esverdeadas. Nesse momento todos se exaltaram, o Mokolé urrou vitorioso e seus guardas bateram as armas algumas vezes, comemorando a vitória. - Onúris! - Gritou uma moça indiana que jazia próxima da Rainha e da Princesa. - Priya... - Murmurou T'Challa em vergonha conforme gemia de dor e desconforto, nem mesmo sua face continha-se de expressar o que sentia. - Essa batalha deveria ser apagada! Ele está envenenado! - Diria uma moça com trajes de kunoichi, surgindo subitamente ao lado de T'Challa, ela se vestia como uma verdadeira ninja. Depois que ela disse aquilo, um murmúrio se formou no lugar, o que deixou o líder do Mokolé bem irritado. - E quem é você pra falar o que é certo ou errado, garota? - Perguntou irritadiço com ela, como se estivesse pronto pra atacá-la. - Sou Naomi Okida, a líder das Kitsunes. - Respondeu ela altiva fazendo o Mokolé se afastar um pouco e outras ninjas cercarem ele. - O que... Você... - Ao ouvir a voz irada do lagarto o Simba se manifestou também, se ergueu a contra gosto, ou ao menos tentava, mesmo ferido, envenenado, buscaria olhava para ele diretamente, e nisso o Príncipe desfaleceria ao chão novamente, desacordado. - Leve-o pra casa, precisará cuidar do veneno antes que seja tarde. - Disse Priya, olhando para Naomi. Outros se aproximaram também ajudando a outra a levá-lo de lá, assim como as outras guardas também foram, deixando que eles resolvessem o que aconteceu ali. - Meu filho, aguente! - Diria a rainha completamente aflita enquanto uma nave pousava junto à bacia e o colocavam em uma maca tecnológica flutuante.

- Não estamos a salvo aqui, não como imaginávamos... Minhas suspeitas... - J'Lamba pareceria bem perturbado pelo decorrer dos fatos, com o olhar fixo na arena onde a nave levantava voo. - O Ritual proíbe qualquer Dom ou arma que possa ter letalidade, são permitidos somente os dons mentais ou que sejam aumentadores físicos moderados... Venenos e magias destrutivas são expressamente proibidos... -  Responderia J'Lamba olhando para Melena e nisso ela poderia notar a perturbação na voz e no olhar dele, como que se o mesmo estivesse à beira de um ataque dos nervos. - Filho... Xangô está vendo T'Challa, ele tem um destino e vai cumpri-lo, mas vocês que são da corte dele, precisam estar preparados... - Diria Marques de uma forma quase que em transe, e Melena reconheceria isso bem, o pai agora servia de intermédio para a fala dos Guias, dando o parecer quanto ao ocorrido. - O senhor... Está certo... De qualquer modo, devemos nos recolher daqui agora, muitos viram essa luta, haverá uma reunião de imediato para decidir o destino de Draco, e haverá repercussão com certeza... Por Gaia... Ele sempre foi cabeça dura e rígido, mas fazer isso no ritual... Não faz o menor sentido... - Acrescentaria o negro cerrando os punhos e franzindo seu senho. - Filha... Você vai ver muita coisa ainda, e vai ter que ter jogo de cintura e coragem... Você não pode esquecer que tem três mães e dois pais... - Diria Marques pouco antes de desmaiar, como que completamente exausto. - Senhor Marques?! - Exclamaria J'Lamba pegando o homem desacordado em seus braços fortes.

No momento que Melena tentasse tocar seu pai o sentiria arder em fogo, como se estivesse febril, e não apenas isso, qualquer forma de tentar identificar o espírito ali presente acabaria da mesma maneira, com ela sentindo as vistas doerem e vendo uma luz brilhante, como se encarasse o Sol diretamente. - Iremos de imediato... - Afirmaria J'Lamba, e de fato o negro iria correr com o homem desfalecido em seus braços na direção de sua nave, sendo avistado por K'Uon. - O que foi?! Mais um envenenado?? - Indagaria o Líder Bubasti com feições de genuína preocupação. - Não... Acredito que um espírito poderoso veio através dele dar um recado, e seu corpo humano tenha cedido. - Respondeu o Corax. - Leve ele para o Zuri então, ele deve ajudar, o Templo de Hórus é longe para que voltem agora, mesmo com a nave. - Diria o felino pondo a mão no ombro do corvídeo. - Obrigado irmão... - Diria J'Lamba aceitando, e partiriam com a nave, na direção do templo de Bastet.

O templo de pedra era adornado com hieroglifos egípcios e com uma estátua da Deusa Gata, Bastet, porém uma figura em particular chamaria a atenção, um pequeno retrato na pedra, mostrando a deusa em sua forma mais diminuta. Assim que adentrassem, veriam certa comoção, monges de vestes roxas transitavam de um lado a outro e um deles viria rapidamente até eles, este que Melena reconheceria, como sendo o monge que presidia o ritual mais cedo. - Graças a Nala, a Princesa pediu para que eu viesse aqui ofertar às Mães, parece que mais alguém precisa de ajuda espiritual... Tragam o senhor imediatamente... - Diria o monge, e J'Lamba com Marques em seus braços seguiria por um caminho entre os diversos corredores internos do templo.