Capítulo 1 - Acústica do Coração Talhado

- Eu tenho uma ideia... - Comentou Sam à medida que Melena terminava de falar. - Não vamos usar ela de isca! - Retrucou Dean prontamente, praticamente gritando, mas tentando manter a conversa só entre os três. - Ele quer um Corax, e ela tem envolvimento com a vítima humana, é a melhor opção que temos e a última noite de lua cheia é hoje, se ele precisa disso pro ritual vai ser hoje sem falta. - Argumentou o mais novo o que apesar de fazer os olhos de Dean revirarem e ele continuar irritado, acabou concordando. - E como faremos isso? - Indagou o mais velho. - Melena, você pode fazer o seu trajeto normal para casa, mas se puder, ficar sozinha, sem suas irmãs? Eu e Dean vamos estar por perto, mas escondidos, assim que perceber a aproximação dele vire corvo ou algo assim e se afaste e nós vamos cuidar dele. - Explicou Sam e Dean o olhou torto ainda, como que não gostando do plano. - Não vou deixar nada acontecer com você, eu prometo. - Dean então buscaria olha-la nos olhos, sério e compenetrado.

- Quê?? - Respondeu ele tomando um susto leve com a migalha, mas desviando dela., enquanto que Sam levava ela em cheio na ponta do nariz e respirava devagar fechando os olhos e fazendo cara de pastel. - Vamos ficar por perto, só faça seu caminho como se fosse para casa e iremos interceptar ele. - Explicaria Sam, fazendo sinal para a garçonete, rapidamente pagariam a conta com um cartão de crédito, a parte deles e da moça, para que então Melena saísse primeiro. Eles estariam a quase meia quadra de distância dela, separados um do outro, Dean do mesmo lado da rua que ela e Sam do outro lado da rua, assim cobrindo dois pontos de onde o Skinwalker poderia se aproximar. - Meu amor... - Após quase oito minutos de uma caminhada lenta cidade adentro, uma voz familiar ecoaria à frente e uma figura inusitada sairia da escuridão, o falecido marido da mulata jazia à sua frente em carne e osso, vestindo suas costumeiras roupas de frio, cabelo e barba grisalhos, olhos claros e voz grave e um tanto rouca. - Como esperei para te encontrar... - Diria ele se aproximando devagar da moça.

- Peço desculpa pela barba por fazer, tanto aconteceu, me deram como morto, mas estava vivo... Venha me dar um abraço senti tanta saudade também... - O homem deu um passo à frente, e nesse instante ela confirmaria sua certeza, não era Bento, não só a barba, mas faltava-lhe os óculos, além é claro de um odor reminiscente de sangue que exalava dele, algo que jamais sentira no falecido. Porém assim que ele estivesse debaixo da luz de um poste, o som de um disparo ecoaria, de forma certeira uma bala acertada em sua testa, deixando veias negras e o cheiro de queimado, como se a pele começasse a se desfazer ao redor da ferida. - Dean, podia ter acertado ela! - Exclamaria Sam que vinha correndo com uma espada bastarda de duas mãos feita de ferro. - Eu nunca erro, Sam. - Retrucaria o mais velho acompanhando-o com uma pistola prateada em punho. O ser parecia vivo ainda, mas estava inerte no chão, com uma respiração bem fraca, porém somente Ximeerra notaria isso. - Foi fácil demais... - Comentou Sam. - Tiro certeiro, queria o quê? - Dean diria com uma risada convencida. Aos poucos o corpo voltaria à sua forma original, revelando uma espécie de aborígene com pele escura, num tom mais negro que o da mulata. Ele tinha uma pintura de caveira no rosto e trajava pele de animais.

Melena tocaria uma nota apenas e um feixe de luz azulada se faria em água, adentrando a boca do ser, afogando-o de modo que ele se debateria sem parar por alguns instantes antes de realmente morrer, o que faria os dois irmãos ficarem em alerta com armas em punho. No entanto, o que ela faria a seguir seria bem pior, ela arrancou o olho esquerdo do morto com as próprias unhas e o comeu como se fosse um ovo cozido. O gosto seria peculiar, nem bom, nem ruim, uma mistura de agridoce e azedo, que gradativamente tornaria-se insosso. Aos poucos Melena perderia todos os sentidos, como se simplesmente cessasse de existir, para então ver-se de pé num local escuro. iluminado apenas por um par de tochas apoiadas em pilares de pedra ao lado de um altar, onde o Skinwalker estava ajoelhado com uma vasilha de barro em mãos. - narju 'an yaetini 'iimlayiy alhayat , alty tueti alkhulud 'iilaa alsilalat al'uwlaa , alty 'ansha'atha alalihata. lays min qibal 'am alzandiq , zawjat alkhayin , bal almalik alhaqiqi. Que o Feitiço da Vida, que dá a imortalidade às primeiras dinastias, criado pelos Deuses, me seja presenteado. Não pela mãe do herege, esposa do traidor, mas sim pelo verdadeiro Rei. - Ele falava numa língua similar ao árabe, não, muito anterior, pelo que Melena conhecia através da mãe, era egípcio o que ele entoava. Na vasilha haviam cinco corações e uma mistura de ervas, ela não sabia dizer como, no entanto saberia dizer que eram corações de Skinwalker, e que o suposto Skinwalker naquele momento era humano. Dezenas de outros rituais vinham em mente, corações de Garou, corações de Mokolé, corações de Gurahl, Corações de Bastet, as vítimas feitas desde que chegara ao Brasil estavam listadas em cinco raças, e agora seu alvo os Corax. Ele era um estudioso dos ritos de mumificação, e que havia usado uma versão sombria do Feitiço da Vida para não só tornar-se imortal, como incorporar-se com os dons e características de suas vítimas. O dito havia deixado um boneco voodoo de Bento escondido no carro do casal, dentro do estofado do motorista, posicionado cirurgicamente. Ela despertaria das lembranças do morto sentindo-se banda, percebendo estar nos braços de Dean que a olhava aflito.

- Pera aí... Egípcio?! Não existem Skinwalker egípcios... Ou existem? - Indagaria Dean confuso, olhando para seu irmão. - Nunca ouvi falar de Voodoo egípcio também, mas sei lá... - Comentou Sam com o cenho franzido em preocupação. - Vamos acompanhar você, mas vamos de carro, é melhor não se cansar mais. - Disse Dean conduzindo Ximeerra e de fato o carro deles estaria mais próximo e de lá partiriam para a casa dela, detalhe que eles já sabiam o endereço sem precisar que ela falasse. Ao chegarem lá havia uma comoção, o Centro de Umbanda anexo à casa estava aberto, estranhamente cheio de pessoas na entrada, e entre elas a irmão do meio veio às pressas pegar a mais velha pela mão. - Mana, venha depressa, mãe e pai estão com um mulato esquisito... - Malenga parecia aflita e rapidamente pegou Melena a levando consigo para dentro do centro. Num dos quartos de dentro, onde havia uma mesa e cadeiras onde se reuniam para planejar os eventos, sua mãe, seu pai e a irmã mais nova estava com um homem negro com vestes e adereços tribais. - Sasa kwamba familia nzima iko hapa naweza kuzungumza. Mfalme Ajani alipotea, Ahadi na Makunguru walipitisha ujumbe huo na nilikuwa ninawajibika kukuonya. - Ele falava em Suaíle, uma das diversas línguas da África, e pelo sotaque era um Massai. Ele dissera "Agora que a família toda está aqui posso falar. O Rei Ajani faleceu, o Ahadi e os Makunguru repassaram a mensagem e eu fiquei encarregado de avisar a vocês.", algo que a mulata levaria alguns instantes para traduzir, enquanto que sua mãe desataria a chorar desesperada fazendo as outras filhas ficarem confusas, enquanto que seu pai permanecia sério. Por sua vez Dean e Sam não adentraram o local, ficando do lado de fora, próximos ao carro.

- Minha filha... Isso envolve mais do que imagina... - Falou sua mãe em tom tristonho, desatando a chorar. - O Rei Ajani foi um herói de guerra, um líder justo e bom, não houve um dia em que eu não agradecesse a Oxalá por colocar ele em nosso caminho. - Falou o pai passando as mãos no rosto e depois firmando as mãos juntas uma na outra, algo que ele fazia quando estava muito tenso ou pensativo. - A causa do falecimento do Rei é natural, ele adoeceu, porém mais detalhes só serão ditos em Wakanda, os segredos são bem guardados. - Respondeu o mensageiro falando em português, apesar do sotaque africano carregado. - Me perdoe a pergunta, mas se a mensagem está dada, o que mais espera de nós senhor? - A do meio pronunciou enquanto a mais nova apenas abraçava a mãe para que chorasse menos. - Um acordo foi feito entre as famílias principais da Tribo Makunguru, o Líder atual, J'Lamba, prometido de sua filha mais velha a aguarda. Ele não tem intenção de forçar o casório, especialmente em momento delicado como esse, porém ele acha justo que aquela que detém o sangue com direito à linhagem sucessória esteja presente na Coroação do novo Rei. Seja para desafiá-lo pessoalmente, ou questiona-lo perante o Ahadi. - O homem fora direto, respondendo a todas as perguntas feitas, não havia sinais de mentira, sua voz era firme e convicta, e além disso sua expressão facial tinha uma mistura de seriedade e pesar pela perda do Rei. Uma palavra não traduzida por ele destacava-se, Ahadi, significando Promessa em Suaíle.

- Mana!! - Disseram as mais novas em coro, porém com um gesto o pai as fez calarem-se. - Filha... Não lhe permitiria ir sozinha, nem que eu fosse o pior pai do mundo... - Disse ele com uma expressão serena, e um olhar determinado. - Não há objeções para que membros da família acompanhem, mas devemos ir agora, no máximo pela manhã, demoraremos menos de dez minutos para chegar em Wakanda. - Respondeu o mensageiro. - Meu marido, Melena, eu que deveria ir, fui eu que fugi de obrigações e criei essa situação. - Diria a mãe, porém o marido a faria parar em soluções e choros apenas a abraçando forte. - Iremos imediatamente, as mais novas precisam da mãe, e o terreiro precisa de uma mãe também. Prestarei homenagens ao nosso velho amigo... - Na fala seguinte a moça poderia sentir uma tristeza provinda do pai, certamente ele também estava abalado com a morte do tão falado Rei. - Procederemos o quanto antes... - O mensageiro se levantaria e junto dos dois andaria para fora do centro. Do lado de fora curiosos ainda olhavam encafifados para o africano, e Sam e Dean jaziam entre eles, próximos ao Impala. Seria então que uma luz viria do céu e uma nave surgiria ao meio da rua, como que saída de um conto sobre homenzinhos verdes. - Coragem filha... - Diria o pai segurando firme em sua mão, preparado para conduzi-la até a nave, porém ela poderia despedir-se dos Winchesters, que estava abobalhados com a chegada do transporte surrealista.