0. Prólogo de Sangue

Shanoa estava perdida, mental e fisicamente, e escuridão e quietude da floresta contribuía para isso. Por mais que andasse não ouviria nada, não veria nada a não ser névoa e árvores secas, até que um grito abafado fora ouvido, e aos poucos sons de carne rasgada e ossos quebrados continuaram rompendo o silêncio tétrico de antes. Sua audição era fortíssima, lhe daria certeza de saber a origem de tais sons e em certa quantidade de passos, não sendo estes muitos, chegaria à fonte. Uma mulher de pele morena e com um vestido verde comia algo, de costas para Shanoa, e lentamente parava o que fazia, virando-se para ela e se levantando. Os olhos dela brilhavam na escuridão como olhos de gato, numa coloração azul clara, quase branca, sua boca estava suja de sangue e seus lábios tinham um batom vermelho escuro que agora se mesclava ao sangue fresco. Haviam também marcas tribais no rosto dela, feitos numa tinta escura, como tatuagens. - Está perdida, Cainita? - Indagaria ela com uma voz neutra, porém de certa forma grave, indicando quem sabe uma idade não muito jovem.

- Entendo... - Disse ela observando-a de forma atenta, e agora mais próxima Shanoa poderia ver que ela estaria devorando um homem pouco antes de se encontrarem. - Pode me chamar de Pisha, parece que está afligida por algum tipo de amnésia. - Continuou a mulher ainda com seus olhos brilhosos fixos em Shanoa. - Estamos na Floresta das Almas... Uma região das mais inóspitas de Nosgoth... Devo julgar que foi Abraçada a pouco, deve explicar a confusão... Normalmente eu não convidaria... Mas pode vir até a minha cripta se quiser... O sol nascerá em poucas horas... Seria lamentável deixar-te queimar. - Pisha faria um convite, sua voz ainda permaneceria mansa e ela colocava as mãos nas ancas ainda observando-a, como sempre, porém após a fazer a proposta começaria a andar, indo numa direção mais afastada de onde a outra viera.

- Crias de Caim... É o que significa... - Dizia ela conforma andava, de modo que seus quadris se mexiam, já que ela andava rebolativamente. - Comer corpos é uma necessidade para alguns de nós, considerados duas vezes amaldiçoados. - Responde conforme aproximavam-se de uma cripta, na saída da floresta, onde parecia não haver mais nevoeiro. - Existem outros, não muitos, estou curiosa contigo, parece ser uma semelhante. - E assim Pisha entraria primeiro na cripta.

- Muitos séculos atrás um clã de vampiros desenvolveu um tipo de feitiçaria chamada Koldunismo... Diferente de muitos tipos de magia, essa é muito mais espiritual, manipulando os elementos da natureza... Era dito como um poder de origem demoníaca, mas há na verdade muita especulação ainda... Agora eu irei realizar um rito em particular, que servirá para trazer a tona a verdade inerente no seu sangue. - Uma vez que explicava o que faria, Pisha se colocou atrás do altar agachada, e pareceu procurar por algo, gradativamente tirando alguns frascos e caixas de madeira de dentro de um armário embutido na peça de mármore. - Todos os seres possuem um espírito, e este está presente no Vitae... Esse ritual tem base no Koldunismo, mas é algo próprio que eu desenvolvi... Ele reforçará a nossa ligação com os espíritos presentes na natureza, e se eles souberem de quem vem o sangue que lhe Abraçou, teremos uma resposta. - Suas explicações continuavam com ela de pé, e no altar ela começaria a aprontar uma mistura de ervas, pós e raízes, macerando-a. - O ingrediente final, uma gota de seu sangue. - Ela então daria uma agulha complica para Shanoa, esperando que ela mesma espetasse um de seus dedos para pingar o sangue no pote de barro onde a mistura era feita.

Tal qual o sangue pingou no pote de barro, Shanoa sentiria o pequeno furo fechar-se rapidamente, sem nem mesmo deixar o líquido coagulado ou qualquer cicatriz. - Sua cura é rápida, até para os padrões dos Cainitas... - Comentou Pisha surpresa, mas logo pousando o pote ao centro do altar e entoando um mantra desconhecido com as mãos em direção ao mesmo. - Eu vejo um... Viking... - Os olhos de Pisha brilhavam vermelhos e Shanoa poderia notar também uma espécie de névoa escura sair do pote como se o seu conteúdo estivesse sendo queimado. - "Eu sou a Força, um dos primogênitos. Eu estive ao lado do Criador e meus irmãos no início de tudo. Eu servi desde milênios atrás. Com o tempo deixamos de ser humanos e nos tornamos mais... Divinos. O Criador assim como nós sentia-se só. Alguns anos passaram-se, e nossa raça cresceu. Até que eu tive a infelicidade de conhecer a traição de sangue. Por minha fraqueza, meus Filhos ganharam uma nova maldição." - Pisha falava de maneira estranha, como se estivesse numa espécie de transe psíquico, até que pareceu cambalear e segurou-se no altar para não cair ao piso. - Seu sangue é de Geração muito baixa, mais do que eu jamais conheci, muito mais baixa que a minha... - Os olhos dela voltaram ao normal, mas estava muito cansada e ofegante. - Se o seu Abraço foi recente... Pode significar que um dos antigos despertou... É perigoso que saia daqui... Deve se preparar para o pior...